Há alguns séculos, as pessoas entendem que comer menos as faz emagrecer e comer demais as faz engordar. Então, para tratar o sobrepeso e obesidade, as tentativas sempre surgiram de forma drástica, com dietas restritivas, principalmente em carboidratos, pois sua retirada traz uma perda de peso mais rápida.

Hoje em dia a obesidade já acomete cerca de 30% da população e o sobrepeso, incluindo a obesidade em si, já passa de 50% da população brasileira.

Ainda nos anos 50, foi publicada a ideia da dieta “Low carb paleo” como uma possível solução para o problema da obesidade e sobrepeso. Que consiste em reduzir ao máximo o consumo de alimentos ricos em carboidratos e aumentar proteínas e gorduras. O termo paleo” remete à ideia de voltar às origens, em que o homem precisava caçar para se alimentar e ainda não plantava grãos, pois era nômade.

Acontece que nessas épocas remotas o tempo de vida era demasiado curto e não havia um desenvolvimento pleno de linguagem e conhecimento. Além do mais, mesmo se formos analisar a ideia de que comer mais carnes seria saudável, lembremos que naquela época não havia agrotóxicos na alimentação dos animais, aditivos conservantes, como o nitrito de sódio (cancerígeno) usado nos embutidos e outros. E também que, depois disso, o homem plantou cereais e leguminosas (família do feijão, soja etc), o que já faz mais de 10.000 anos, e temos então plena tolerância e adaptação a todos esses alimentos, com ressalvas de algumas doenças, como a Doença Celíaca, em que o paciente não pode ingerir o glúten, proteína presente principalmente no trigo, centeio e cevada.

Em 1985 foi publicado um artigo com o termo Low Carb Paleo e, desde então, foram surgindo outras dietas do mesmo tipo, como Atkins, Dukan, etc. Lembrando o que ocorreu com esses dois últimos autores: o primeiro infartou pela segunda vez aos 72 anos de idade, vindo a falecer, com insuficiência cardíaca e renal e com mais de 100 quilos, e o segundo teve seu diploma de médico cassado na França, mas ainda ganha muito com seus livros... No entanto, não se considerava (e ainda hoje, infelizmente), que a perda rápida de peso ocorresse pela desidratação, já que cada molécula de glicogênio muscular (estoque de carboidratos pelos músculos) se armazena com 2,7 moléculas de água. Ora, não havendo carboidratos suficientes para a síntese e armazenamento nas células, não há como manter um bom estado de hidratação. Água tem peso equivalente em quilogramas, então o peso corporal cai. Afinal, pode-se perceber que em dieta restritiva se urina mais.

Porém, além da perda de peso, se perde também a disposição física e mental, a força muscular, o humor, a eficiência do sistema imunológico...  Enquanto se perde um componente nobre, estrutural: as proteínas, principalmente musculares, pois parte dos aminoácidos que as constituem precisam entrar com suas cadeias de carbono, hidrogênio e oxigênio, no Ciclo de Krebs, nas etapas em que os carboidratos deveriam estar participando, na forma de seus substratos. E a amônia resultante desse processo precisa ser transformada em ureia pelo fígado. Não adianta comer tanta proteína: se não houver carboidratos suficientes na alimentação, a proteína ingerida e a proteína muscular serão catabolizadas, ou seja, transformadas em energia, resultando deste processo o ácido úrico e a ureia.

Detalhe: recentemente, uma mulher que não tinha a enzima conversora de amônia em ureia, morreu em decorrência dessa dieta, segundo noticiário. A amônia é tóxica, sendo  a forma como o nitrogênio sai da molécula de aminoácido quando sua cadeia de carbono, oxigênio e hidrogênio precisa ser utilizada no Ciclo de Krebs na ausência e/ou insuficiência de carboidratos.

SISTEMA NERVOSO - Parte dessa estrutura proteica muscular, assim como as proteínas da alimentação, serão usadas no processo denominado NEOGLICOGÊNESE, em que o fígado produz glicose a partir de outros compostos. Por que esse órgão tem esse trabalho? Por que o SISTEMA NERVOSO não consegue utilizar outros nutrientes para produção de energia, que não seja a glicose. Embora esse processo ocorra naturalmente, como mecanismo de sobrevivência, ele é mais lento do eu o fornecimento direto de carboidratos pela alimentação. Então essa lentidão pode se traduzir na prática em IRRITABILIDADE, ANSIEDADE, PERDA DE MEMÓRIA, INDISPOSIÇÃO MENTAL, DORES DE CABEÇA, etc.

SISTEMA IMUNOLÓGICO - Enquanto se utilizam aminoácidos da estrutura muscular na produção de energia, processo aumentado durante a restrição de carboidratos, forma-se menos GLUTAMINA, um aminoácido intermediário, naturalmente fabricado pelos músculos bem nutridos.  Essa é fonte de energia para o SISTEMA IMUNOLÓGICO e ENTERÓCITOS. Ou seja, o praticante da dieta passará a ter mais infecções, sejam elas quais forem.

SISTEMA DIGESTÓRIO - Falando em enterócitos, que são as células que compõem a camada de absorção do intestino, lembremos  que se renovam a cada dois dias. O que quer dizer que precisam de muita energia para cumprir bem o seu papel. Junte-se a isso a MICROBIOTA INTESTINAL, composta de mais de 400 tipos de bactérias, presentes em trilhões, em que podem predominar as bactérias “boazinhas” ou “más”, de acordo com os alimentos ingeridos predominantemente. E, adivinhe: as bactérias “más” ou patogênicas, já preferem as proteínas, e tendem a se alimentar principalmente das proteínas das carnes. Já as bactérias não-patogênicas se alimentam de fibras e outros carboidratos complexos, que chamamos polissacarídeos, além de componentes dos laticínios.

Quando há desequilíbrio na microbiota intestinal ou DISBIOSE, ocorre maior inflamação intestinal pela presença exacerbada das bactérias pró-inflamatórias, o que provoca o rompimento das junções entre os enterócitos, e assim aumenta-se a absorção de moléculas de açúcar e de gordura, além das toxinas bacterianas ou alimentares. Isso se traduz em DESCONFORTO INTESTINAL (às vezes obstipação, às vezes muito diarreia e/ou cólica), e há maior chance de que ocorram doenças intestinais graves, incluindo o CÂNCER DE INTESTINO, sabidamente relacionado ao consumo de CARNES VERMELHAS e EMBUTIDOS... ops, Não é isso o que os propagadores dessa dieta incentivam??

SISTEMA RENAL

A transformação de proteína muscular e dietética em energia, pelo seu excesso e pela falta de carboidratos requer a eliminação do nitrogênio de sua molécula, que sai na forma de amônia, como reforçado acima. Com isso, há maior formação de ureia (cuja enzima conversora se encontra no fígado) e de ácido úrico, resultante das purinas.

Com o tempo, pode ocorrer a formação de cálculos renais, além da sobrecarga dos glomérulos pelo próprio excesso de proteínas. E, a quem tem gota (acúmulo de cristais de ácido úrico), seu surgimento e/ou agravamento.

SISTEMA ENDÓCRINO

Havendo falta de carboidratos, e com isso o catabolismo proteico, o organismo entende como desnutrição, independentemente da quantidade de proteínas ingeridas. Assim, ele providencia o modo “sobrevivência”, reduzindo a produção de hormônios da tireoide. Dessa forma, o metabolismo torna-se “baixo”, como se diz popularmente, embora de forma equivocada.

A inflamação induzida pelas gorduras saturadas (via TLR4) é um processo sistêmico, que acomete inclusive os receptores de insulina, que se tornam ineficientes e assim aumenta a insulina e a glicose circulante, o que pode originar o diabetes tipo 2. O controle dos açúcares nessa condição se faz necessário, porém utilizando-se carboidratos de boa qualidade, ricos em fibras, de maneira bem distribuída ao longo do dia. O ideal é exatamente evitar as gorduras saturadas para reduzir a inflamação celular.

SISTEMA CARDIOVASCULAR

O consumo de gorduras saturadas preconizados por essa dieta, através de carnes, embutidos, manteiga, queijos gordos, gordura de coco (sim, 92% de gorduras saturadas não me permitem chamar aquilo de óleo), e do próprio colesterol na forma de mais de um ovo com gema ao dia (na verdade comem entre 3 a 10 ou mais!!) está diretamente relacionado com o aumento do LDL – colesterol, ou seja, leva à formação de placas de ateroma, que no decorrer do tempo pode levar ao INFARTO e AVC (acidente vascular cerebral, ou “derrame”) ISQUÊMICO.

Quando alguma pesquisa mostra redução de LDL em praticantes da dieta, essa redução é apenas temporária, devido à redução de calorias em geral. No entanto, com o tempo o LDL tende a aumentar, levando ao risco cardíaco.

EFEITOS POSITIVOS EM ALGUNS ESTUDOS.

Importantíssimo se faz ressaltar que a perda de peso e melhora de alguns parâmetros bioquímicos em alguns estudos se deram em trabalhos de curto prazo, até um ano de duração, sendo que os parâmetros tendem a piorar com a continuidade da dieta, assim como o efeito-rebote de compulsão alimentar leva ao aumento do peso perdido e muitas vezes de peso a mais que o anterior. Lembrando também que há polimorfismos genéticos que determinam que haja algum resultado ou não.

Quanto a trabalhos em diabéticos do tipo II, importante ressaltar que os efeitos também serão temporários, caso o consumo de gorduras saturadas se mantenha elevado.

Um ponto interessante nesse tipo de dieta é o incentivo ao consumo de mais legumes e verduras. Porém, a retirada de cereais, pães e frutas e incentivo ao consumo de gorduras saturadas é algo incoerente em se tratando de saúde.

DIRETRIZES CIENTÍFICAS

É importante que sigamos as diretrizes estabelecidas por entidades correlatas, cujos membros diretamente relacionados com a ciência compilam dados de pesquisas experimentais e epidemiológicas para seu estabelecimento.

Portanto, considera-se prudente um balanço nutricional dentro dessas diretrizes muito bem estabelecidas, que consideram o percentual de 50 a 65% de carboidratos dentro do valor calórico total da dieta, dependendo de fatores como atividades físicas diárias, prática de exercícios físicos programados, sexo, idade, estado fisiopatológico, etc. Além, claro, dos hábitos do paciente em questão, que devem ser respeitados dentro do limite da sua saúde e de seus objetivos. Se a dieta a ser prescrita não for  balanceada, VIÁVEL e FLEXÍVEL, não será SUSTENTÁVEL, o que dificulta qualquer manutenção.

Veja a diferença da pirâmide alimentar apresentada pela Universidade de Harvard, no link: https://www.hsph.harvard.edu/nutritionsource/healthy-eating-plate/

Importante frisar que “dieta engorda”, o que tem relação com a restrição de carboidratos e os efeitos rebote que isso provoca. Por isso a ênfase terapêutica deve ser sobre o comportamento alimentar.

No mais, importante lembrar que, a curto e médio prazo, qualquer dieta com valor calórico total em déficit em relação ao peso atual, levará à perda de peso, sendo Low Carb ou Low Fat. No entanto é importante pensar a longo prazo, não somente sobre a manutenção de um peso saudável, como sobre os efeitos na saúde em geral. Isso é o que afirmam todos os estudos que apresentaram efeitos satisfatórios, TODOS em curto prazo. Pode-se ver exemplificado nas referências bibliográficas abaixo.

Um dado alarmante: um estudo realizado neste ano (2018) demonstrou defeitos no tubo neural de bebês gerados por mães que praticam dietas com baixo carboidrato:

https://onlinelibrary.wiley.com/doi/pdf/10.1002/bdr2.1198

(Low carbohydrate diets may increase risk of neural tube defects)

Assistam também meu vídeo a respeito no meu canal do You tube: https://www.youtube.com/watch?v=5_lEOP3dMzY

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS (você pode encontrar estes artigos no PubMed)

2018 - Low carbohydrate diets may increase risk of neural tube defects

2016 - The Effects of Low-Carbohydrate Diets on Psychosocial Outcomes in Obesity-Overweight - A Systematic Review of Randomized, Controlled Studies

2016 - Effect of low-fat diet interventions versus other diet interventions on long-term weight change in adults - a systematic review and meta-analysis

2015 - The Effects of a Low-Carbohydrate Diet vs. a Low-Fat Diet on Novel Cardiovascular Risk Factors - A Randomized Controlled Trial

2015 - Low Carbohydrate Diets and Type 2 Diabetes -  What is the Latest Evidence

2014 - Low carbohydrate versus isoenergetic balanced diets for reducing weight and cardiovascular risk - a systematic review and meta-analysis

2012 -Effects of higher- versus lower-protein diets on health outcomes - a systematic review and meta-analysis

2006 - Effects of low-carbohydrate vs low-fat diets on weight loss and cardiovascular risk factors - a meta-analysis of randomized controlled trials